domingo, 19 de dezembro de 2010

Natal no Beco










Domingo, início de noite. Um integrante de um terno da folia de reis samba ao som de um trio de músicos. Eles executam clássicos do samba e veem, diante deles, um folião de reis sambar com um pandeiro debaixo do braço. Sambou o folião, sambaram atores e atrizes, professores, estudantes...Talvez o grande mérito do Natal no Beco, realizado em Vitória da Conquista - BA, entre os dias 17 e 21, seja exatamente este. O de reunir tantas pessoas num espaço público. Para ser mais preciso, num beco. Uma rua bem estreita, por onde trafegam tantos carros durante a semana e que, nestes dias, tem abrigado manifestações incomuns para a seriedade aparentemente intransponível do dia a dia. De tanto movimento de veículos, a sensação é a de que aquele é um espaço privado, onde não podemos exercer o nosso direito de usufruir do que é público.
Nestes dias, porém, o barulho ensudercedor de buzinas e motores, estão sendo substituídos por acordes, batucadas, poesias recitadas. Vale dizer que, para participar de tudo isso, não foi preciso pagar ingresso. Não é necessário medir força com carros, donos da rua. Podemos transitar de um lado para o outro livremente e, por impressionante que pareça, com segurança. Isso mesmo, entre aqueles que ali estão nao se ouviu uma palavra de medo, de receio diante da ação de algum suspeito. A polícia esteve lá, sim. No entanto, digo como testemunha, eles ali estiveram vendo, sentido, falando de arte. Posso dizer isso porque disfarçadamente flagrei policiais lendo mensagens deixadas pelos visitantes do Beco, num mural onde podem ser deixados recados por quem passa por ali. Ainda digo disfarçamente porque pareço não ter aprendido ainda a usufruir deste direito de ficar no meio da rua imerso num mundo de sons, cores, formas e livre exercício da imaginação.

Tenho pra mim que este Natal no Beco me oferece elementos bem ricos,me fazendo dar seguimento à leitura do livo "Aventura das Cidades", de Janice Caiafa. Demonstrando preocupação com o processo de privatização das cidades, o texo dela nos serve de manancial de ideias em busca da vida "ao ar livre". Tentando destacar uma das muitas passagens decisivas do texto, darei atenção, por enquanto, para uma: "A força criadora das cidades vem precisamente de se chamar à rua e de se ocupá-la (...) Uma rua habitada não precisa de polícia. De fato, a violência é muito mais provável nas regiões despovoadas, onde as pessoas preferem permanecer entre conhecidos em ambientes familiares, onde o espaço público está abandonado". É o que está lá na página 25 e que serve de inspiração para que pensemos em saída para povoar as cidades.

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